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Quais crimes podem ser praticados caso a pessoa infectada saia de casa contaminada pelo Covid-19



Palavra chaves: Pandemia. Corona vírus. Vírus Sars-CoV-2.


Alguns levam a sério, outros nem tanto. Aqui vou traçar uma situação hipotética para explicar quais crimes podem ser praticados caso a pessoa infectada saia de casa contaminada pelo vírus Sars-Cov-2. No primeiro caso é a pessoa ter o covid-19 e não sabe e transmite para alguém, a situação dois, é a pessoa que sabe que está com o vírus e mesmo assim não toma as precauções devidas.

Tício sai às ruas e entra no Starbucks. Lá, pede um café, e, antes que perceba, começa a tossir. A cafeteria estava com o ar-condicionado ligado e a senhora que estava sentado ao lado de Tício entra em contato com as microgotículas de saliva expelidas durante a tosse.

Dois dias depois, ela começa com diarreia. No quarto dia foi internada na UTI e precisou ser intubada.

Tício não sabia estar infectado.

E aí? Tício praticou algum crime?

Pois bem. Direito não é uma ciência exata, binária, linear, onde as coisas se resolvem na ótica do sim ou não, do tudo ou nada. Para uma mesma questão de direito por vezes existem mais de quatro correntes. E para uma mesma situação fática igualmente por vezes mais de uma interpretação.

Portanto, depende! Tício pode ou não ter praticado crime.

No exemplo acima ele não praticou nenhum crime. Pois não tinha consciência de que estava infectado.

Ele poderia estar assintomático, ou com sintomas pequenos, como coriza, acreditando estar, na verdade, com alguma gripe pequena ou mesmo rinite alérgica.

Como Tício não tinha consciência de estar infectado pelo vírus Sars-CoV-2, ele não tinha dolo.

Mas o que é dolo?

Dolo, resumidamente, traduz consciência + vontade. Sem consciência não há dolo.


E sem dolo não há crime.


Assim, Tício foi ao Starbucks acreditando estar infectado por uma gripe pequena e não achou que infectaria uma senhora com o vírus chinês, levando-a inclusive ao extremo de ser internada.


Agora, temos a segunda situação.


Tício está com sintomas claros de covid-19, como ausência de paladar, diarreia constante. Ou fez o exame e foi constatada a infecção.


Se Tício for ao Starbucks mesmo assim, para além de todos os argumentos morais de falta de responsabilidade, falta de cuidado com o próximo e consigo mesmo, estará, também, cometendo crime. Vejamos.


Se Tício apenas descumprir as normas de segurança impostas e colocar a vida e/ou a saúde das pessoas em risco, por não estar em isolamento, praticará o crime previsto no art. 132 do Código Penal, o qual dispõe configurar crime expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente.


Neste caso, o só fato de não estar em isolamento social, e, pior, em cafeteria com ar-condicionado ligado, quando a possibilidade de transmissão aumenta, estará colocando a vida e ou a saúde dos presentes em risco direto ou iminente.


Ora, só a respiração de Tício já estará liberando microgotículas de saliva capazes de infectar as pessoas ali presentes. Na prática, claro, será dificílimo provar que foi Tício quem colocou a vida das pessoas em risco direto ou iminente a não ser que ele admita que estava infectado no momento em que estava na cafeteria. Do contrário, ninguém saberá quem esteve ali infectado pelo covid19.


Se Tício, todavia, vir a tossir nas pessoas, com a intenção deliberada de transmitir a moléstia, estará praticando crime mais grave, previsto no artigo 131 do Código Penal. Este dispositivo explicita que praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir contágio.


Aqui Tício não ficou passivo. Apenas respirando. Mas agiu ativamente a fim de transmitir a moléstia a terceiros. E moléstia grave, pois o covid-19 embora não produza sintomas mais graves em muitas pessoas, leva, por outro lado, muitas a morte, ou, quando menos, a internação hospitalar.


Neste caso, dificílimo de ocorrer na prática, Tício responderia pelo delito do artigo 131 do Código Penal, pois havia consciência de estar infectado e vontade de transmitir a moléstia grave a terceiros. Em outras palavras, havia dolo.


Vamos continuar focando em Tício. Suponhamos que ele venha, depois do Starbucks, a conversar com seus amigos em um bar. E tussa deliberadamente em cima deles. Aqui, será mais fácil comprovar que ele praticou o crime previsto no art. 131 do Código Penal. E os amigos não poderão abrir mão de entrar com ação penal em desfavor de Tício.


Trata-se de ação penal pública incondicionada, o que significa, em outros termos, que, assim que tiver conhecimento do fato delituoso, e provas suficientes da materialidade e indícios de autoria, o Ministério Público é obrigado a entrar com ação penal – princípio da obrigatoriedade da ação penal. Em outras palavras, não tem o Parquet discricionariedade, isto é, não pode se valer de critérios de conveniência e oportunidade, para aforar esta ação penal.


Mas a história não acaba aqui. Tício pode, ainda, praticar outros crimes. Mas isto será objeto de outro artigo!

Leonardo Diniz

OAB/SC 31841

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